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Transistor kills the radio star?

(5.0 Intro) O pecado capital (inevitável?) de um velho meio chamado rádio

Ninguém imaginaria, há dez anos, quando se começaram a colocar os primeiros canais de streaming em simultâneo com a emissão hertziana (simulcasting) que isso se viria a revelar o pecado capital. Meditsch já tinha avisado: quando tiver imagem deixa de ser rádio. Mas o fascinio exercido pela descoberta, o avançar muito timida e lentamente e a própria força do novo meio - a Internet - fizeram com que se tornasse inevitável: ao princípio era apenas um endereço URL onde estava a emissão online, mas quando se associa a isso um texto, uma foto, vários textos, várias fotos, estamos a criar algo de novo.

Poderia ser algo de novo mas não radicalmente novo, apenas uma evolução, por exemplo. Acontece que a rádio, pelas suas características próprias - recorre apenas a um sentido - e porque a isso foi 'obrigada' para sobreviver depois do choque televisivo, tornou-se um acto de consumo secundário, em acumulação com alguma tarefa primária (conduzir, por exemplo) e - para que isso fosse possivel - extremamente passivo.

Quando a rádio nos 'pede' que passemos a ver (textos ou imagens), obriga-nos a fazer o corte consigo própria, com a sua estruturação mais sólida: e ver já não se compadece com acumulação. à medida que mais conteúdos engrossam a página da rádio, perde-se também a passividade.

Dir-se-á que haverá sempre espaço para um consumo áudio passivo e em acumulação. Mas a ideia deve ser substituída por uma outra: haverá cada vez menos - sobretudo se nos centrarmos na rádio musical. É que a Internet não interveio apenas no mundo dos meios de comunicação clássicos. A sua afirmação fez-se explodindo em diversas áreas, uma delas a da indústria musical. A partir do momento em que a música passou a poder ser digitalizada, guardada em com,putador e enviada facuilmente por ficheiros, sugiram também os leitores digitais de áudio - que vieram disputar um espaço onde a rádio era monopolista: o da escuta portátil e em acumulação. Não interessa, neste contexto, quem vai ganhar, mas há o que antes não havia, concorrência. Mesmo no carro, templo de domínio quase exclusivo da rádio, há cada vez mais conectividade com outros aparelhos - até televisão -, sendo que não demorará muito até que o auto-rádio seja um leitor multimédia ligado à internet.

A rádio, tal como a vemos e conhecemos hoje, ou seja o consumo passivo, ficará cada vez mais restrito a determinadas situações - sobretudo quando a ideia é ouvir música. Em alternativa há um novo meio, inventado a partir da Internet, e que a rádio potenciou sem imaginar as consequências, que põe todas essas características em causa.

Depois de cometido o pecado capital, a rádio - entendida como industria estruturada - não consegue parar e acentua a tendência: é que a ambição da página na net é proporcional ao investimento realizado (não só ao nível de servidores como de meios humanos afectos a esse trabalho); e como o negócio só é viável se rentável, a ambição nos conteudos será depois proporcional às estrategias que vierem a ser encontradas para levar os consumidores para essa página, para esses conteudos; já não será possivel parar!

Dir-se-á: é como a televisão; o video não vai matar a televisão, tal como hoje a conhecemos. Falso. O video, resultado da evolução trazida pela Internet, muda hábitos de consumo de televisão, mas não significa um corte radical na forma como se consome. Ver televisão ou ver videos na internet é e sempre será um acto primário. O video faz evoluir a televisão. O video faz criar um novo meio a partir daquilo que ainda hoje se chama rádio.

(ESTE MOMENTO É DE TRANSIÇÃO, ENTRE O QUE ERA - E QUE AINDA SE VÊ, CADA VEZ MENOS PURAMENTE - E O QUE VIRÁ A SER; É O MOMENTO DA COEXISTÊNCIA, DA CRISE DE IDENTIDADE, DAS DESCONFIANÇAS, DOS ENTUSIASMOS E DAS DEPRESSÕES, DAS PREVISÕES IMPOSSIVEIS E DOS FUNERAIS QUE NUNCA SE REALIZARÃO; É UM MOMENTO QUE NÃO VAI DURAR MUITO E QUE É UM PRIVILÉGIO VIVER; POR SER DE TRANSIÇÃO TORNA-SE MAIS NECESSARIO CONHECER OS CAMINHOS QUE SE PODERÃO TRILHAR NO FUTURO; É ISSO QUE O TRABALHO PRETENDE) 

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